A Digital que Falha e o Preconceito quePersiste

“Já estou na idade em que a impressão digital já começa a falhar” digo como que para me
desculpar pelo tempo em que os dedos ficam no leitor de digitais. É dia de eleição e já estou
cadastrada como e-eleitora desde que renovei minha carteira de motorista. Uma das vantagens da vigilância que o estado tem sobre nós e nossos dados, muitos captados por biometria e unificados em sistemas online.

O sorriso dos mesários e a negação deles sobre a minha frase me faz ver que logo eu, uma das fundadoras do Movimento Sociedade sem Idadismo, leitora e escritora de textos sobre este assunto, acabo de cometer um preconceito contra idade. E ao meu respeito!

Voto na urna, saio para caminhar. E pensar.

Reflito que carregamos e conceitos aprendidos de maneira tão intensa que, por mais que
trabalhemos dentro de nós, eles ainda saem de nós quando menos esperamos.

Sim, eu sei que é fato que as impressões digitais meio que vão se apagando com o passar dos anos. O envelhecimento transforma nossas mãos, nossas rugas, nossa pele. As digitais se apagam como o traço de um lápis esmaecido sobre uma folha antiga. E, com isso, surgem novos desafios, como o uso de sistemas biométricos, algo que não havíamos previsto em nossa juventude.

A recente proposta de Lei 624/2024 busca isentar os idosos da obrigatoriedade de usar
biometria em procedimentos clínicos, pois muitos já não conseguem atender à precisão exigida pelas máquinas. Não é apenas uma questão técnica, mas de respeito à dignidade. A tecnologia, que avança em um ritmo frenético, muitas vezes não acompanha as nuances do envelhecimento humano.

Parece sutil, mas é nesse gesto – o de uma digital que falha ou o de uma máquina que não reconhece o toque – que percebemos como o preconceito, mesmo enraizado no cotidiano, também é uma ferramenta que precisa de reconfiguração. Muitas vezes, ele não está apenas nas palavras que direcionamos aos outros, mas naquelas que direcionamos a nós mesmos.

O idadismo, essa forma de preconceito tão insidiosa quanto velada, se instala em nossas mentes através de sutilezas. Desde pequenos, somos expostos a estereótipos e crenças limitantes sobre o envelhecimento. Frases como “isso é coisa de velho” ou “já passou da idade para isso” nos seguem e moldam a forma como vemos o outro e, eventualmente, a nós mesmos.

E aqui surge o desafio de conscientizar as gerações mais velhas, mas também, e talvez ainda mais importante, educar as gerações mais novas – os pequenos da Geração Alpha, por exemplo. É com eles que plantamos as sementes de um futuro mais inclusivo, mais empático.

Se eles crescerem vendo o envelhecimento como parte natural, enriquecedora da vida, não como algo a ser temido ou menosprezado, poderemos vislumbrar uma sociedade que trata todas as idades com respeito.

A educação para o respeito à diversidade etária começa cedo. O modo como falamos sobre as pessoas mais velhas em casa, na mídia, na escola – tudo isso influencia a maneira como os jovens percebem o envelhecimento. Se, ao contrário, os ensinarmos a valorizar o tempo, a sabedoria e a contribuição que as pessoas mais velhas oferecem, estaremos moldando um mundo onde a idade não define o que uma pessoa pode ou não fazer, ser ou merecer.

Ao refletir sobre a minha própria frase, penso que o idadismo não é algo que simplesmente “resolvemos”. Ele está entranhado nas fibras de uma sociedade que por tanto tempo valorizou a juventude como ápice da vida, deixando o restante para o esquecimento. Mas é nesse esforço consciente de revisitar nossas crenças, de questionar o que falamos e pensamos, que podemos mudar.

Assim, enquanto caminho, percebo que nossa batalha contra o idadismo, dentro e fora de nós, é uma jornada constante. Envelhecer não deveria ser visto como um declínio, mas como um desabrochar contínuo – como as digitais, que vão se transformando com o tempo, mas que nunca perdem sua capacidade de contar uma história.

Afinal, somos todos fragmentos de muitas idades, carregando o passado, o presente e o futuro na pele, nos traços, nas marcas invisíveis e visíveis que nos definem. E educar as futuras gerações para ver a beleza nessa complexidade é o maior presente que podemos oferecer. Porque o envelhecimento não nos apaga – ele apenas nos reescreve em novas linhas, diferentes, mas igualmente belas.

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