
Ontem, num restaurante do Cais Embarcadero, na Orla do Guaíba, em Porto Alegre, o jovem atendente, muito competente, por sinal, diz que trabalha “free” no local, ganha mais, não quer Carteira assinada, assim pode trabalhar quando e onde quiser.
É um jovem da geração Z.
Não é a regra. Milhares de jovens estão no Jovem Aprendiz, precisam trabalhar, em geral seu espaço está em grandes empresas, como supermercados.
A rejeição é por conta de o modelo ser tradicional não dar flexibilidade nem autonomia.
O jovem busca a possibilidade de um equilíbrio maior entre vida pessoal e profissional que outros formatos de trabalho podem oferecer, o que a assinatura na CTPS não proporciona.
Muitos buscam trabalhos com sentido e propósito. A liberdade de escolher onde e quando trabalhar, mesmo que isso signifique modelos de trabalho mais instáveis, como o autônomo ou o informal, são bem aceitos.
A Geração Z busca um trabalho com significado e que gere satisfação, algo que, para muitos, o modelo tradicional não oferece, repetindo.
Prefere trabalho remoto ou híbrido, valorizando o controle sobre o próprio horário e local de trabalho, algo que a CLT clássica pode não proporcionar. O “onde” pode ser essencial, pois o morador de periferia enfrenta transporte deficitário e caro.
Tem alto grau de rejeição a ambientes corporativos tradicionais, com rotinas exaustivas e pouca flexibilidade.
Preza muito a liberdade, em vez de sucesso.
Aos que têm alguma possibilidade financeira maior buscam empreender, como no digital, visto como um caminho para a autonomia e a criação de algo com propósito.
Não se importam se o trabalho for como autônomo, aceitando contratos temporários.
NEM TODOS SÃO IGUAIS
Estes são os traços gerais que se apresentam. Mas vivemos numa sociedade estratificada em classes sociais e estamentos muito díspares.
Jovens de periferia têm bem menos escolhas que um jovem de classe média. A moradia de um jovem de classe média, em bairros menos periféricos, com os pais, é mais confortável e aprazível. Na periferia com moradias precárias, o trabalho pode ser um elemento para mudar sua situação.
O jovem de classe média pode adiar ter filhos ou não tê-los simplesmente. Já na periferia é notado o grande número de jovens com filhos, com meninas grávidas em salas do Ensino Médio, quando não ainda no Fundamental.
As generalizações não são corretas, não refletem o mundo real, não apanham o mundo em que a Geração Z vive.
Mesmo que muitos jovens tenham saído do país – não temos números reais – estes são uma parcela pequena comparada com 220 milhões de habitantes.
É certo que mais de 50 mil brasileiros vivam na Austrália, mais de 20 mil estudem, pois se não estiverem estudando não poderão trabalhar. Mas quem vai tão longe é uma parcela pequena em condições de pagar uma cara passagem de avião, mais algum recurso de sobrevivência inicial tão longe de casa.
Talvez Portugal com quase meio milhão de brasileiros morando lá merecesse um estudo mais elaborado. Mas pobre não sai do país para morar em Portugal e, agora, com restrições, cada vez menos jovens irão para lá.
Há países nos quais o grau de xenofobia é alto, até pela disputa no mundo do trabalho, elemento pouco estudado, mas que está merecendo um olhar mais de perto.
ESCRAVIDÃO CONTEMPORÂNEA
Enquanto se discute o lugar da Geração Z no mundo do trabalho no país, a emigração para outros países, o deslocamento de jovens rio-grandenses para a vizinha Santa Catarina que lhes oferece serviços mais atrativos, convivemos nos dias atuais com casos e mais casos de escravidão contemporânea.
Uma das manchetes da semana:
“Ex-miss Mato Grosso é acusada de manter 20 homens em condição de trabalho análogo à escravidão”.
Logo abaixo da manchete lemos esta nota:
“Empresária contratou trabalhadores para cortar e empilhar madeira; pai dela já foi investigado pelo mesmo crime.”
Ou seja, de pai para filhos, as elites não estão mudando. Continuam cruéis como nos tempos da escravidão africana e do genocídio dos povos originários.
Neste ano, o Brasil completou 30 anos do reconhecimento oficial da existência de formas contemporâneas de escravidão.
As inspeções do Ministério do Trabalho e Emprego tiraram 66 mil trabalhadores de condições análogas à escravidão, em quase 8,5 mil ações fiscais, só em 2025. Entre os escravizados estão muitos jovens.
Por isso, quando se fala no mundo do trabalho não é nem necessário lentes de aumento, pois a triste realidade está diante de nossos olhos nus.
IDADISMO
Diante deste quadro complexo é preciso enfrentar o tema do idadismo.
Não podemos aceitar a voz corrente, em especial na mídia tradicional, no mundo dos negócios, que a Geração Z é o jovem nem-nem.
A maior parte dos jovens busca um intento na vida, quer achar seu lugar, quer ser reconhecido com a dignidade humana que a Constituição lhe garante no papel, mas na vida real se usurpam a cada dia os pingos de dignidade que lhe restam.
É triste ver esta voz corrente. É triste ver a falta de debate nas mídias. É enervante escutar a mesma ladainha mentirosa todos os dias.
É preciso analisar por que uma parcela de jovens de classe média vive em suas camas amarfanhadas, ou seja, por fazer, pois passam dias e horas sendo intoxicados pelas telas do telefone inteligente, acrescidas das “maravilhas” da IA. E sem um trabalho remunerado.
É preciso analisar o Estado que não forma, que não educa adequadamente. Como é preciso ver onde o Sistema S coloca os recursos que são dos trabalhadores e não forma as novas gerações.
Esta é a realidade que não quer e não pode calar.
Não nos movem teses academicistas. O que nos move é o mundo real com o qual me deparo num almoço de final de semana, ao ser servido por um jovem trabalhador que não quer a Carteira da CLT de 82 anos atrás.
Adeli Sell é professor, escritor e bacharel em Direito.