
Sou
Alvorecer, morrer, contar, chegar
Satisfação, emoção, dignificação,
Passarão, exemplificada, escada
Passados, lembrados, existir pouco,
Muito mais vamos sorrir!
(Celso Morador da Instituição)
Trabalho em Instituições de Longa Permanência para Idosos e é de se supor que a visita desta senhora, nunca bem-vinda, seja esperada.
Ela ronda, bate nas portas, por vezes nos dormitórios, no pátio, enfim em todos os locais, em especial onde moram pessoas idosas. Mas a resposta é unânime, assim como na antiga brincadeira infantil de fita.*
Por vezes ela consegue, passeia pelos hospitais, enfermarias, UTIs e em muitas tentativas acerta, levando a “presa” mais vulnerável. Foi o que aconteceu, no domingo. Mal esperou passar o Dia de Finados para levar o “bombeiro da Ceasa”. É possível que alguns o conheçam, pois tinha um canal no Youtube .
Brincalhão, debochado, adorava dançar nas sessões de Biodança. Do seu jeito, mas dançava e se exibia. Jovem demais para morrer não tinha nem 70 anos, mas era vivido, já tinha passado e enfrentado muitas nesta vida, até vir parar na República.
Por República entende-se uma Instituição de Longa Permanência que acolhe idosos de baixa renda, sem necessidades específicas, com autonomia e liberdade para saírem e até trabalharem lá fora.
Quando cheguei, hoje, já na entrada fui recepcionada com a notícia de que ele havia morrido. Todos tristes e pensativos, alguns foram ao velório, outros preferiram não ir.
E a morte mostrou a eles que não estão na vida para brincadeiras. Como diante de uma pergunta sem muita reflexão que fiz num outro lar para pessoas idosas, sobre a rotatividade de moradores, me responderam: “a saída só acontece no caixão…”
Portanto, desmistificando muitos preconceitos com relação aos Lares de Longa Permanência, ao visitar e oferecer atividades em três dos maiores de Porto Alegre constatei que apesar de gerenciar as instituições com poucos recursos, é possível oferecer boa qualidade de vida, saúde mental e relativa saúde física e emocional aos seus moradores.
Com atividades saudáveis de entrosamento Inter geracional, pet-terapia, atividades físicas, passeios e atividades culturais, psicólogos, educadores e assistentes sociais afastam a ideia de depósito para idosos. As atividades e as visitas de voluntários tornam o ambiente saudável, leve e bastante agradável, formando escudos protetores contra dona Morte
Em visita a outra instituição ouvi a pérola vinda de um morador: “… é envelhecer ou morrer jovem, não tem outra possibilidade!” Por isto, muitos se enfeitam, namoram dentro das instituições, cantam, tocam, dançam, leem e apesar de estarem afastados do convívio familiar ou longe de suas casas, ainda reconhecem como melhor opção estarem sendo cuidados, protegidos e bem alimentados.
Mas essa reflexão não se prende a uma apologia às Instituições de Longa Permanência para Idosos.
O que pretendo reforçar aqui é de que o lazer, o bom humor, a convivência em grupos e a pluralidade de ações podem e devem prolongar a vida, mesmo longe de casa ou da família de origem.
Deixando Dona Morte a bater nas portas e janelas, tentando levar aqueles que vivem com relativa qualidade de vida, que continuarão respondendo à intrusa visita: “bate o pé que ninguém te quer!”
Como na brincadeira de roda, em que cada criança recebia uma cor secretamente, e o diabo batia palmas avisando que estava rondando por ali. Então quem fazia o papel de mãe, perguntava:
– Quem é?
Ao que o Diabo respondia:
– Sou eu, o Diabo!
E o diálogo continuava:
– O que quer? (mãe)
– Fita! (diabo)
– De que cor? (mãe)
E o diabo dizia a cor, se acertasse ainda tinha a possibilidade da criança sair correndo até ser alcançada por ele, mas se conseguisse retornar para a roda, estava salva. Assim sucessivamente, caso errasse a cor, todos gritavam:
“- Bate o pé que ninguém te quer!”
E assim é a vida… Dona Morte bate palmas, mas poderá ou não levar sua presa, dependendo de sua força de vontade e desejo de viver.